O dia em que fui parar (nu) num banho misto de águas termais no Japão

Tem muita coisa bacana no Japão. Não é à toa que eu estou aqui há 12 anos. Mas não tem nada que eu goste mais do que um bom banho de águas termais. Como se sabe, o Japão é um país com alta atividade sísmica. É por isso que terremotos são constantes e, de tempos em tempos, grandes catástrofes chocam o mundo. Óbvio que isso assusta um pouco, apesar de sabermos que, se existe um país no mundo preparado para encarar grandes terremotos, esse país é o Japão. Além disso, pouca gente fala sobre o lado bom de ter o chão tremendo debaixo dos pés pelo menos umas três vezes por mês. É o calor gerado pela atividade sísmica que dá origem às águas termais. Não há lugar no arquipélago japonês onde não exista pelo menos um ponto com água quente jorrando do solo. E em cada um desses lugares existe algum onsen, ou seja, um banho de águas termais.
Desde que fui apresentado ao banho de águas termais, me tornei uma espécie de caçador de onsen. Já visitei vários em diversas partes do país e o meu objetivo é sempre descobrir algo novo. Foi esse impulso que me levou até Shirahone Onsen, uma estância de águas termais escondida nas montanhas da província de Nagano. As imagens do local na internet eram promissoras: um roten-buro (banho ao ar livre) enorme, com água azul-esverdeada, no meio da neve. Era o meu sonho de águas termais no inverno japonês.
O acesso a Shirahone Onsen no inverno não é fácil. A localidade fica a pouco mais de uma hora de ônibus de Matsumoto, cidade conhecida por ter um dos mais belos castelos do Japão. Acontece que, no inverno, a estrada é coberta de neve e a viagem acaba sendo bem mais lenta. Ainda assim, acabei chegando na localidade pouco antes da abertura do Awanoyu, uma pousada icônica da região que permite que não hóspedes usem alguns de seus roten-buro por algumas horas do dia pagando um valor determinado.
Desci do ônibus no ponto final, bem na parte inferior do vale, sob congelantes 10 graus negativos. Meu objetivo era ver um pouco da paisagem do local antes de mergulhar nas águas termais. O que eu não esperava era que a neve acumulada naquele mês de fevereiro seria um problema. Brasileiros não são muito habituados à neve mas eu estava preparado. Muita roupa de baixo, um casaco poderoso e até um tênis que dava para o gasto... Era pelo menos o que eu achava...

Metros de neve costumam se empilhar no invermo de Shirahone Onsen.
Tanta era a neve em Shirahone Onsen que caminhar ladeira a cima, de volta para o Awanoyu, estava se tornando missão impossível. A neve numa estrada onde carros passam com alguma frequência está mais para uma pista de patinação no gelo do que para aqueles tufos de algodão macio e fofinho que costumam aparecer nos filmes natalinos. E eu já tinha tomado tantos tombos naquele começo de subida que não me vinha na cabeça outra ideia melhor do que andar de quatro pela neve. Isso até que um carro que subia a pirambeira com certa dificuldade decidiu parar em meu socorro.
Era um casal japonês que, mais tarde eu saberia, era apaixonado por águas termais e tinha passado a noite numa pousada próxima. Como eu, eles tinham vindo a Shirahone Onsen para conhecer o "icônico" banho termal do Awanoyu. Até então, eu não tinha ideia do que o adjetivo que acompanhava o nome da pousada significava. Para mim, as águas azuladas, a natureza em volta e a neve já eram suficientes para transformar o local em um ícone dentre os banhos de águas termais do Japão.
Espantado ao me ver caminhando quase que como um urso na neve espessa, o homem dentro do carro tentou me perguntar, num inglês muito quebrado, para onde eu ia. Em japonês, contei para ele que estava querendo chegar ao Awanoyu. Com um certo alívio de não precisar ter que se comunicar em outra língua, o homem me ofereceu uma carona. Sem pensar duas vezes, subi no carro agradecendo aos deuses das águas termais já que, no ritmo em que estava me movendo, iria levar pelo menos mais 20 minutos e uns 30 tombos até que eu conseguisse encarar o meu banho de águas termais.
Mas nem tudo seria tão rápido. Depois de alguns engasgos na ladeira e virada uma curva, o carro decidiu não prosseguir mais. Com tanta neve, era difícil subir a ladeira, ainda mais com um passageiro extra de mais de 100 quilos. Saímos do carro — eu e o homem — e, com a mulher assumindo o volante, começamos a empurrar o veículo. Por sorte, o carro pegou tração já na segunda tentativa e, assim, corremos os dois para dentro do veículo e subimos o resto da pirambeira. Finalmente, estava pronto para desfrutar do maior deleite que a atividade vulcânica pode oferecer para o ser humano.
Uma Tradição Japonesa
Registros de uso das águas termais para banhos são tão antigos quanto o próprio Japão. Ao longo da história, os onsen vêm sendo us